sexta-feira, 28 de junho de 2013

Nossa Vã Filosofia #4 - Sobre o Medo da Morte


'Eu começo por onde a estrada vai...'  Para nosso espírito de aventura, a estrada é sempre um convite

Eu não sabia bem como começar esse texto, faz tempo que não escrevo aqui e talvez tenha me esquecido como se faz, mas sobre 'Nossa Vã Filosofia', sobre nossa vida, a gente só precisa começar, que as palavras vão vindo.
Para nós, que gostamos de motos, e especialmente de viajar com elas, ao menos uma vez já foi perguntado se não somos loucos, se não temos medo, se não conhecemos os riscos.
As perguntas começam ao nosso lado, dos mais chegados. Uns perguntam com espanto, outros com admiração, outros com deboche, mas perguntas sempre existem.
Pausas para aproveitar a paisagem, o momento e fotografar um pouco.
Não tem preço.
'Você não tem medo de morrer?' talvez seja a pergunta mais franca que nos fazem, talvez a mais direta. Nós, que cruzamos longas distâncias, longas horas ouvindo somente nossos pensamentos e o ritmo constante do motor em alguma marcha mais alta, sabemos que o medo existe para dar sabor à vida, para dar valor à vida. Por isso mesmo nós viajamos. Pelo medo.
Quando digo medo, amigos, irmãos da confraria indormal e internacional do motociclismo, não se ofendam, vou me explicar.
A morte se esconde em cada curva do caminho, quando nós deitamos suavemente nossas motos para aqueles momentos que parecem mais longos, parecem mais suaves. Só nós sabemos como o tempo passa mais lento quando entramos em uma curva mais fechada acima dos 100km/h e somos como aqueles artistas da corda-bamba sobre os prédios mais altos. Não podemos errar e aqueles segundos são, sozinhos, uma aventura. São uma vida. Ou mais.
Descansando ao lado da moto e apreciando a paisagem ,
no topo da Pedra do Cristo Rei, em Cajazeiras, Paraíba.
Quando saímos da curva, depois dos breves segundos longos, e voltamos à estrada 'normal', podemos, melhor do que ninguém, voltar com mais amor à vida, voltamos, de cada curva, renovados e as retas são as horas de meditação, são as horas de ver o horizonte quase parado enquantos nossos pensamentos vão mais longe que a tal 'Infinita Highway'.
Nem precisei passar por muitas curvas dessas para entender meu medo, o medo que me movia.
Meu medo é de passar pela vida como um passageiro de condução a caminho da fábrica, sempre seguindo os mesmos caminhos, para fazer as mesmas coisas e ver as mesmas pessoas. Eu tenho medo de morrer de infarto na sala da minha casa, depois de dias tão normais quanto os de um prisioneiro inocente, sem ter, de fato vivido. Eu tenho medo da vida burguesa de trabalhar a vida inteira e me permitir apenas aos prazeres da classe-média, calculados para caberem no orçamento e na moldura de fotos para mostrar aos amigos.
O medo se torna até pequeno se comparado ao amor que temos às novas paisagens e pessoas, especialmente aquelas que ainda vamos ver e conhecer, porque, mais que qualquer medo, o que temos muito é esperança no que se esconde depois da curva.
O que restou do cemitério de São José de Piranhas, submerso desde 1936.
Maior do que o medo é o amor à vida. Do topo da minha pequena moto a vista é panorâmica, eu vejo a estrada se estendedo além do horizonte, vejo meu passado e penso no futuro, e o que sempre existe é um amor desapegado, real. Por isso, quando volto de viagem, trabalho com mais ânimo e estudo com mais vontade, e abraço minhas irmãs com mais carinho e sorrio para minha mãe ficar tranquila e vou vivendo melhor.
Moto é minha terapia e é por isso que vale a pena o medo que se esconde nas curvas e nas estradas pilotando outros carros e motos. Por isso que quando me perguntam se não tenho medo, apenas lembro da música do Roberto Carlos e respondo, antes de tudo, com um sorriso. Se você pretende saber quem eu sou, na estrada você vai me conhecer.
Para encerrar, aqui está um poema do poeta português Antero de Quental que retrata bem o que acredito sobre esse tal medo da morte:
Mors Amor

Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

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